TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.235 - Disponibilização: quinta-feira, 15 de dezembro de 2022
Cad 2/ Página 2784
incidência da onerosidade excessiva, em contratos onde se pretende taxas de juros em percentual muito superior a 12% ao ano,
quando a remuneração da poupança popular está em valor bastante inferior.
Lamento a revogação da norma que na fundamentação quanto ao reconhecimento de prática usurária proclamava:
Art. 192
(...)
§3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à
concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada
como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.
O mestre José Afonso da Silva argumentava para sustentar a aplicabilidade do dispositivo em estudo:
Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém
autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa... Se o texto, em causa, fosse um inciso do
artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar.
Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata.
No mesmo sentido, a posição do Ministro Marco Aurélio, do STF, na defesa da aplicabilidade da taxa legal de juros afirmando
que “A lei complementar prevista na cabeça do artigo 192 diz respeito à estruturação do próprio sistema financeiro nacional cuja
ausência, até aqui, não tem evitado a atividade que lhe é própria. Quanto à lei prevista na parte final do § 3º, diz ela respeito
ao fato típico que pode ser a usura, e aí, em face do princípio da legalidade, remete-se no campo penal, ao que a lei dispuser”.
Verificamos que modernamente, embora exista determinação legal – Lei 4595/64, que cria o Conselho Monetário Nacional e
dispõe sobre a Política Monetária, autorizando a este através do artigo 4º, IX a limitar, sempre que necessário, as taxas de juros,
o certo é que as instituições financeiras agem livremente, podendo estabelecer juros nas taxas que lhes aprouver sustentando a
inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, de dispositivo legal explícito para controlar qualquer tipo de abuso.
No entanto, entre outros dispositivos legais que permitem a intervenção judicial nos contratos, verificamos que o CDC, no seu
artigo 6º,V, ao estabelecer quais são os direitos básicos do consumidor, inclui entre eles a possibilidade de revisão e modificação
de cláusulas contratuais que lhe imponham excessiva onerosidade, e portanto, o Poder Judiciário não pode se furtar a interferir
nos contratos, principalmente aqueles emergentes dos contratos de massa, denominados comumente de contratos de adesão.
Isso porque, se a Política Monetária Nacional admite a livre pactuação das taxas de juros, não intervindo administrativamente
para evitar exorbitância, não pode o magistrado deixar de apreciar, quando solicitado, a justiça ou injustiça do percentual pactuado, visando o equilíbrio contratual e evitando uma onerosidade excessiva em prejuízo do consumidor, parte mais frágil na
relação consumerista, sob pena de distanciamento na nova concepção do contrato que garante a liberdade de contratar desde
que seja respeitada a sua função social e seja observado o princípio da boa fé objetiva, que impõe as partes os deveres de lealdade, cooperação e informações claras. Mesmo porque, não é só um direito do consumidor questionar cláusulas onerosas, mas
principalmente uma garantia fundamental devidamente prevista nos artigos 5º, XXXII e 170 da Constituição Federal.
Assim, embora comungamos com o entendimento de que o percentual de juros superior a 12% incidente nos contratos de consumo é abusivo e onera excessivamente o consumidor, porque este não pode suportar remunerar o capital para a aquisição de
bens e serviços em valor acima de um por cento ao mês, quando a poupança popular é remunerada a valor muito inferior a este
percentual, se caracterizando como prática abusiva e usurária a imposição de percentual acima deste patamar e por isso, este
deve ser expurgado da dívida revisada, nos curvamos ao entendimento já pacificado pelos tribunais superiores para aceitar seja
utilizado como índice plausível para descaracterizar a onerosidade excessiva, a taxa média de mercado.
Observe-se que o STF, através da Súmula 596, já decidiu pela não incidência da Lei de Usura às operações realizadas pelo
Sistema Financeiro Nacional quando diz:
“As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações
realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.”
Por outro lado, restou superada a discussão acerca da limitação da taxa de juros remuneratórios ao percentual de 12% a.a, com
a edição da Súmula vinculante n. 07, do STF, que preceitua:
“A norma do § 3º do artigo 192 da constituição, revogada pela emenda constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros
reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.”
Também se verifica que o STJ, na mesma linha já pacificou a discussão deste tema quando decidiu que os juros remuneratórios
não estão sujeitos à taxa prevista no art. 406 c/c art. 591, ambos do CC e editou a Súmula 382, orientando no sentido de que a
pactuação de taxa acima do percentual de 12%, por si só, não indica abusividade. Sustenta que é necessário para caracterizar
a abusividade da taxa de juros remuneratórios estabelecida no contrato se demonstre discrepância em relação à taxa média do
mercado.
É o que demonstra a Súmula nº 296:
Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa
média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
Nesta linha de entendimento o TJ-BA, editou o Enunciado 13, in verbis:
“A abusividade do percentual da taxa de juros, aplicado em contratos bancários submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, deve ser apurada considerando as circunstâncias do caso concreto e com base no índice da taxa média de mercado para a
mesma operação financeira, divulgado pelo Banco Central do Brasil ou outro órgão federal que venha substituí-lo para este fim.”
Portanto, não resta outra alternativa senão seguir a orientação majoritária dos nossos Tribunais, conforme fartamente demonstrado acima.
No caso ora em discussão, verifica-se o autor firmou com a instituição financeira requerida 07 (sete) contratos de empréstimo
pessoal consignado, os quais serão analisados, pormenorizadamente, nas linhas abaixo, considerando a taxa média de juros,
colhida no site do Banco Central do Brasil, à época da celebração de cada contrato: